A
medicina investiga as causas do alcoolismo. Alguns pesquisadores
levantam a hipótese de faltar determinada enzima na célula daquelas
pessoas com tendência a essa compulsão. Seja como for, tudo é
muito inconcluso e está muito distante o dia da descoberta de uma
substância que “cure” o alcoolismo. Até lá muito alcoólatra
vai morrer de cirrose, acidente de trabalho ou de trânsito. E, se
não destruir sua vida física – o que é raro deixar de acontecer
– , vai destruir sua vida amorosa, familiar e profissional.
Internação, tranquilizante, vitamina, tapinha nas costas ou sermão
não curam alcoolismo.
Existem
aqueles supostos tratamentos, na realidade, precursores dos DOI-CODI:
enfia-se uma pílula debaixo da pele, e ela libera aos poucos uma
substância que incompatibiliza o organismo com a bebida. Se a pessoa
beber, ficará cheia de urticária e vomitando sem parar.
Esse
tipo de tratamento não só é brutal e quase punitivo – olha o
preconceito contra o alcoolismo se infiltrando! - como pouco eficaz.
É quase como querer tratar alcoolismo com tortura.
E
depois de tudo isso, quando acaba a pílula, se o alcoólatra tomar
um golezinho da bebida mais fraquinha que tiver, a compulsão etílica
retorna. Com força redobrada.
ALCOOLISMO
E PSICANÁLISE
A
psicanálise – é claro – estuda o alcoolismo há muitos anos.
Estudá-lo, contudo, é uma coisa; curá-lo é outra. Minha
experiência com pacientes alcoólatras em psicanálise e a leitura e
observação do trabalho de outros psicanalistas me levaram à
seguinte conclusão: com psicanálise o alcoólatra vai se entender
muito melhor, vai expandir várias de suas potencialidades, vai até
entender bastante a sua compulsão, mas... vai continuar bebendo. E
muito. Vai se tornar um bêbado psicanalisado, porém bêbado.
Não
se veja nisso nenhuma restrição ao valor da psicanálise.
Simplesmente, como qualquer prática humana, ela não é onipotente,
nem miraculosa. Embora sirva para muitas coisas, e serve, não serve
para todas as coisas. Por exemplo, não serve para “amansar” a
fúria da compulsão alcoólica e fazer um alcoólatra beber
moderadamente.
Freud
sempre nos advertiu para a resistência de certos sintomas à
transformação. Por mais que o psicanalista localize e compreenda,
por mais que trabalhe sobre ele, ele não se transforma. Parece até
feito de uma substância dura, uma rocha, um granito: são regiões
da mente que ficaram cristalizadas, produzindo efeitos por toda a
vida.
Muitas
compulsões são feitas desse material resistente. A psicanálise
entende como se constituíram e o que pretendem, entende sua
motivação e sua lógica de funcionamento, possui excelentes teorias
para explicá-las, mas não consegue transformá-las em desejos
moderados e passíveis de controle espontâneo pela vontade.
Daí,
por exemplo, a dificuldade de se tratar psicanaliticamente a
obesidade (compulsão por comer), a toxicomanias (compulsão às
drogas) e o tabagismo (compulsão por cigarro). Nunca vi alguém que
fuma desbragadamente fazer análise e passar a fuma moderadamente –
um cigarrinho de vez em quando, em datas especiais...
Aliás,
há aqui uma coisa intrigante. Jamais um psicanalista tenta tratar
psicanaliticamente a compulsão ao cigarro. Não estou dizendo que
não trabalhe vários pontos dela. Porém, na hora da decisão, não
há outra saída senão: “Evite a primeira tragada”. Quem não
cortar de vez o cigarro não vai conseguir parar de fumar, nem ir
diminuindo “naturalmente” sua vontade de fumar. Pelo contrário:
cigarro puxa cigarro e quanto mais se fuma mais se tem vontade de
fumar. Aquele que já parou de fumar sabe que, se um belo dia der uma
tragadinha inocente, voltará a ser possuído por aquela irresistível
fissura. Todo psicanalista parte desse princípio provado e
comprovado pela evidência dos fatos. Entretanto, quando chega a vez
do alcoolismo, muitos psicanalistas adotam uma posição bem mais
otimista, admitindo ser possível, graças à psicanálise, deixar de
ser alcoólatra e continuar bebendo, só que moderadamente. Com o
cigarro, sito não é possível e, com o álcool, é!? Essa nem Freud
explica...
Por
isso, para os Alcoólicos Anônimos, ou o alcoólatra pára de beber
ou beberá desbragadamente até morrer. Se é assim com a relação
entre o fumante e o cigarro, com muito mais razão há de ser assim
com a relação muito mais explosiva que se trava entre o alcoólatra
e o álcool.
Eduardo
Mascarenhas.
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