Outra
crença enraizada é a de que o alcoólatra seja uma pessoa fraca de
caráter ou sem força de vontade. Claro, como é que alguém com um
mínimo de dignidade pode andar cambaleando por aí?
As
pessoas partem do princípio – ingênuo – de que só é bêbado
quem quer. Tanto assim que elas (não-alcoólatras) bebem numa boa e
não se deixam “viciar” pelo álcool. O que falta ao alcoólatra,
então, é sermão, descompostura e providências similares para
obrigá-lo a readquirir dignidade e fibra.
É
claro que só pensa assim quem nunca sentiu a compulsão alcoólica.
Às vezes, quem insulta o alcoólatra é um gordo que não para de
comer, um fumante que não para de fumar, um jogador que não para de
jogar, um mulherengo que não para de paquerar: é que a compulsão
dos outros é fácil de controlar.
Vergonha
na cara não é o que falta ao alcoólatra. A vergonha que ele sente
de beber desbragadamente é tamanha que bebe mais ainda só para
embriagá-la.
Um
amigo, hoje recuperado pelos Alcoólicos Anônimos, me confiou:
“Eduardo, eu antes de virar alcoólatra cheguei até a morar no
Copacabana Palace. Depois, é óbvio, fui perdendo tudo: dinheiro,
profissão e até família. Acredite se quiser, tornei-me mendigo.
Mendigo mesmo, do tipo que cata sobras de comida. Quando ia pedir
esmola, tomava mais umas e outras não para ganhar coragem para pedir
esmola e me assumir como mendigo, pois essa eu tinha, mas para ter
coragem de me assumir como alcoólatra. É que as pessoas me chamavam
assim, e a palavra me fazia mal demais”.
Muitos
gigantes da vontade, de rara fibra e garra para todas as coisas são
alcoólatras. São fortes para tudo, exceto para o álcool. Padece de
uma vulnerabilidade específica, tal como o pâncreas de um diabético
em relação ao açúcar: não foram feitos um para o outro.
Ninguém
se torna dependente do álcool porque quer. Mas simplesmente porque,
apesar de todos os mais sinceros e comoventes esforços, não
consegue deixar de beber.
Poder-se-ia
argumentar: então, por que começou a beber? Começou porque todo
mundo começa um dia. E quem iria adivinhar que, anos depois, estaria
possuído por essa compulsão?
O
alcoolismo, como já vimos, dá em todo tipo de gente. Logo o
alcoólatra não é melhor nem pior do que ninguém. Exceto por sua
compulsão, é tão fraco ou tão forte quanto todo mundo.
É
importante deixar tudo isso bem claro, pois muitas pessoas morrem
bêbados só para não serem obrigadas a se reconhecerem como gente
fraca, sem fora de caráter.
É
óbvio que, não controlado, o alcoolismo em suas etapas avançadas
debilita qualquer gigante. No final, todos os bebedores vão ficando
parecidos: vão virando pasta.
Mas
isso é consequência do alcoolismo. Não é a sua causa.
O
alcoólatra controlado, sem beber, volta a ser um cidadão como outro
qualquer. Existem alcoólatras do mais alto nível. Outros que não
são. Exatamente como os não-alcoólatras.
Enfim,
os alcoólatras são gente como a gente.
Eduardo
Mascarenhas
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