Além
do uso agudo de drogas modificarem o funcionamento cerebral de forma
crítica, momentânea e aguda, o consumo prolongado pode causar
alterações bastante abrangentes na função cerebral, alterações
estas que persistem por muito tempo depois da pessoa parar com o uso
da substância. O cérebro do drogadicto é claramente diferente do
cérebro do não-drogadicto, como revelam as alterações na
atividade metabólica cerebral, na disponibilidade de receptores, na
expressão dos genes e na capacidade de resposta a estímulos
ambientais.
Algumas
alterações cerebrais de longa duração são características de
drogas específicas, enquanto outras alterações são comuns a
muitas drogas diferentes. Essas alterações cerebrais comuns a
várias substâncias sugerem que o mecanismo cerebral de todas as
dependências pode ser o mesmo.
Entendendo
que a drogadicção é, basicamente, causa ou consequência de
alterações da função cerebral, um dos principais objetivos do
tratamento deve ser tentar corrigir essas alterações cerebrais.
Esse objetivo pode ser obtido através de tratamentos medicamentosos
ou psicológicos (os tratamentos psicológicos têm tido sucesso na
modificação da função cerebral em outros transtornos
psicobiológicos).
No
nível neurobiológico, dois modelos neuroadaptativos foram
concebidos para explicar as mudanças na motivação para a procura
de drogas que refletem o uso compulsivo: a contra-adaptação e a
sensibilização.
A
hipótese da contra-adaptação está intimamente ligada ao
desenvolvimento de tolerância do prazer, ou tolerância hedonista,
na formulação conhecida como teoria do processo oposto.
Ao
contrário, a sensibilização, isto é, o aumento progressivo do
efeito de uma droga cada vez que é novamente administrada, concebe
as mudanças de motivação como um deslocamento dentro de um estado
de incentivo-saliência.
As
duas concepções focalizam as alterações neurobiológicas nos
níveis moleculares, celulares e de sistemas. Os dois sistemas podem
implicar o que se tem chamado de alterações “dentro de um mesmo
sistema” e “entre sistemas”. As alterações dentro de um
mesmo sistema, a nível neuroquímico, diz respeito às alterações
nos mesmos neurotransmissores implicados nos efeitos agudos do uso da
droga e alterados durante o desenvolvimento de dependência química.
Entre
os eventos neuroquímicos contra-adaptativos que ocorrem dentro do
mesmo sistema, encontram-se a redução da neurotransmissão
dopaminérgica e serotonérgica no núcleo acumbes, durante a
abstinência de opiáceos crônicos, assim como transmissão
GABAérgica diminuída e glutamatérgica aumentada durante a
abstinência alcoólica.
A
sensibilização aos efeitos dos estimulantes psicomotores e opiáceos
também parece estar envolvida na ativação dentro do mesmo sistema
nas estruturas mesolímbicas dopaminérgicas. Aparentemente há uma
cadeia de adaptações que depende do tempo, dentro destas
estruturas, que leva às alterações prolongadas provocadas pela
sensibilização.
Modificações
em outros sistemas de neurotransmissão não-relacionados aos efeitos
de reforço agudo da droga, mas ativados durante a sua administração
crônica, têm sido concebidas como adaptações entre sistemas.
Exemplos de contra-adaptações inter-sistemas são, entre outros,
aumento da função dinorfínica no núcleo acumbens durante a
administração crônica de cocaína, aumento do nível de peptídeos
anti-opióides associado à administração crônica opióides e
presença aumentada de sistemas cerebrais de esforço, como fator
liberador de corticotrofina (FLC) como cocaína, opiáceos, álcool e
maconha.
Recentes
observações neuroanatômicas, neuroquímicas e neurofarmacológicas
têm proporcionado sustentação para a noção da existência de um
circuito cerebral específico dentro do cérebro anterior talvez
capaz de mediar alterações neuroquímicas intra e inter-sistemas,
associados à recompensa da droga. As amígdalas cerebrais
constituem uma macroestrutura que engloba várias estruturas
cerebrais anteriores basais que apresentam semelhanças em termos de
morfologia, neuroquímica e conectividade.
A
sustentação para a hipótese de que as amígdalas desempenham papel
ativo nos efeitos de reforço agudo das drogas passíveis de consumo
abusivo pode ser encontrada numa série de microdiálise in vivo e em
estudos neurofarmacológicos que demonstraram ativação seletiva da
dopamina na cápsula do núcleo acumbens por parte das principais
drogas que criam adicção.
Além
disso, mecanismos GABAérgicos e opioidenérgicos no núcleo central
das amígdalas podem participar das ações de reforço agudo do
álcool. O núcleo central da amígdala também pode funcionar em
contra-adaptação ao sistema de recompensa do cérebro durante o
desenvolvimento da dependência química. A administração crônica
de drogas pode alterar o nível de FLC e a expressão do gene
pró-opiomelanocortina nas amígdalas. Resposta aumentada do FLC no
núcleo central das amígdalas encontra-se associada à abstinência
aguda de álcool, opiáceos, cocaína e maconha.
O
sistema mesolímbico dopaminérgico encontra-se claramente envolvido,
porém nenhuma sub-região específica pode ainda ser delineada. Os
glicocorticóides podem ativar o sistema mesolímbico dopaminérgico
através do aumento da síntese de dopamina, da redução do
metabolismo da dopamina e da diminuição da captação de
catecolaminas. Pesquisas da participação de uma subprojeção
específica do sistema mesolímbico na sensibilização encontram-se
em andamento.
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