terça-feira, 5 de dezembro de 2017

058- Alterações Cerebrais


Além do uso agudo de drogas modificarem o funcionamento cerebral de forma crítica, momentânea e aguda, o consumo prolongado pode causar alterações bastante abrangentes na função cerebral, alterações estas que persistem por muito tempo depois da pessoa parar com o uso da substância. O cérebro do drogadicto é claramente diferente do cérebro do não-drogadicto, como revelam as alterações na atividade metabólica cerebral, na disponibilidade de receptores, na expressão dos genes e na capacidade de resposta a estímulos ambientais.
Algumas alterações cerebrais de longa duração são características de drogas específicas, enquanto outras alterações são comuns a muitas drogas diferentes. Essas alterações cerebrais comuns a várias substâncias sugerem que o mecanismo cerebral de todas as dependências pode ser o mesmo.
Entendendo que a drogadicção é, basicamente, causa ou consequência de alterações da função cerebral, um dos principais objetivos do tratamento deve ser tentar corrigir essas alterações cerebrais. Esse objetivo pode ser obtido através de tratamentos medicamentosos ou psicológicos (os tratamentos psicológicos têm tido sucesso na modificação da função cerebral em outros transtornos psicobiológicos).
No nível neurobiológico, dois modelos neuroadaptativos foram concebidos para explicar as mudanças na motivação para a procura de drogas que refletem o uso compulsivo: a contra-adaptação e a sensibilização.
A hipótese da contra-adaptação está intimamente ligada ao desenvolvimento de tolerância do prazer, ou tolerância hedonista, na formulação conhecida como teoria do processo oposto.
Ao contrário, a sensibilização, isto é, o aumento progressivo do efeito de uma droga cada vez que é novamente administrada, concebe as mudanças de motivação como um deslocamento dentro de um estado de incentivo-saliência.
As duas concepções focalizam as alterações neurobiológicas nos níveis moleculares, celulares e de sistemas. Os dois sistemas podem implicar o que se tem chamado de alterações “dentro de um mesmo sistema” e “entre sistemas”. As alterações dentro de um mesmo sistema, a nível neuroquímico, diz respeito às alterações nos mesmos neurotransmissores implicados nos efeitos agudos do uso da droga e alterados durante o desenvolvimento de dependência química.
Entre os eventos neuroquímicos contra-adaptativos que ocorrem dentro do mesmo sistema, encontram-se a redução da neurotransmissão dopaminérgica e serotonérgica no núcleo acumbes, durante a abstinência de opiáceos crônicos, assim como transmissão GABAérgica diminuída e glutamatérgica aumentada durante a abstinência alcoólica.
A sensibilização aos efeitos dos estimulantes psicomotores e opiáceos também parece estar envolvida na ativação dentro do mesmo sistema nas estruturas mesolímbicas dopaminérgicas. Aparentemente há uma cadeia de adaptações que depende do tempo, dentro destas estruturas, que leva às alterações prolongadas provocadas pela sensibilização.
Modificações em outros sistemas de neurotransmissão não-relacionados aos efeitos de reforço agudo da droga, mas ativados durante a sua administração crônica, têm sido concebidas como adaptações entre sistemas. Exemplos de contra-adaptações inter-sistemas são, entre outros, aumento da função dinorfínica no núcleo acumbens durante a administração crônica de cocaína, aumento do nível de peptídeos anti-opióides associado à administração crônica opióides e presença aumentada de sistemas cerebrais de esforço, como fator liberador de corticotrofina (FLC) como cocaína, opiáceos, álcool e maconha.
Recentes observações neuroanatômicas, neuroquímicas e neurofarmacológicas têm proporcionado sustentação para a noção da existência de um circuito cerebral específico dentro do cérebro anterior talvez capaz de mediar alterações neuroquímicas intra e inter-sistemas, associados à recompensa da droga. As amígdalas cerebrais constituem uma macroestrutura que engloba várias estruturas cerebrais anteriores basais que apresentam semelhanças em termos de morfologia, neuroquímica e conectividade.
A sustentação para a hipótese de que as amígdalas desempenham papel ativo nos efeitos de reforço agudo das drogas passíveis de consumo abusivo pode ser encontrada numa série de microdiálise in vivo e em estudos neurofarmacológicos que demonstraram ativação seletiva da dopamina na cápsula do núcleo acumbens por parte das principais drogas que criam adicção.
Além disso, mecanismos GABAérgicos e opioidenérgicos no núcleo central das amígdalas podem participar das ações de reforço agudo do álcool. O núcleo central da amígdala também pode funcionar em contra-adaptação ao sistema de recompensa do cérebro durante o desenvolvimento da dependência química. A administração crônica de drogas pode alterar o nível de FLC e a expressão do gene pró-opiomelanocortina nas amígdalas. Resposta aumentada do FLC no núcleo central das amígdalas encontra-se associada à abstinência aguda de álcool, opiáceos, cocaína e maconha.

O sistema mesolímbico dopaminérgico encontra-se claramente envolvido, porém nenhuma sub-região específica pode ainda ser delineada. Os glicocorticóides podem ativar o sistema mesolímbico dopaminérgico através do aumento da síntese de dopamina, da redução do metabolismo da dopamina e da diminuição da captação de catecolaminas. Pesquisas da participação de uma subprojeção específica do sistema mesolímbico na sensibilização encontram-se em andamento.


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