quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

013- 7º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)



O Sétimo Passo diz: “Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições”.

A necessidade imperiosa e constante de satisfazer seus impulsos torna o alcoolista egocêntrico, isolando-o de valores espirituais, como se o prazer e o bem-estar imediatos fossem as únicas maneiras de sentir-se bem.

Ao mesmo tempo, a participação do álcool nesse processo de dependência do prazer traz consigo todo o amplo leque de consequências físicas, psíquicas, sociais, comportamentais e morais, característica do abuso químico e torna o sofrimento parte ativa desse ciclo mórbido.  A dependência gera ansiedade e sua satisfação gera consequências desastrosas à estrutura global do ser humano.  Com o passar do tempo, o prazer torna-se cada vez mais distante enquanto a dor mostra-se presente e avassaladora.

É uma vida inteira, anos e anos gastos em ansiogênica luta contra um processo de dependência para o qual uma única solução encontrada tornou-se insuportável.  O ciclo patológico de dor como necessidade de alívio, alívio esse gerador de mais dor, entrava-se no limite individual de sofrimento que cada ser humano desenvolveu intrinsecamente.  Ao atingi-lo, o indivíduo descobre que não é mais possível manter esse processo e este pode ser o passo inicial para a descoberta da necessidade de romper o isolamento e buscar, na força das relações interpessoais, uma nova fonte de alívio e prazer.  Vivenciar uma humilhante sensação de desespero;  derrota diante de sua própria opção de vida;  falência de seus mecanismos de obtenção do prazer;  pode ser a única solução para romper o processo de dependência e, através disso, vislumbrar, no convívio social, e na reformulação pessoal como elemento possibilitador deste, o substituto ideal para promover um bem-estar duradouro.

Essa sensação, alimentada pela dor e pela ausência de perspectivas, impulsiona o alcoolista a entregar-se a um processo de tratamento que procura basear-se na manutenção de um novo ciclo de retroalimentação pelo prazer, este fundamentado em crescimento pessoal e redescoberta de valores ditos espirituais.  Para isso, propõe-se uma criteriosa avaliação do indivíduo como ser social e uma, não menos criteriosa, reformulação de todas as deturpações psicossociais características do ciclo patológico.

Ao atingir esse estágio, o alcoolista depara-se com dificuldades objetivas.  Em primeiro lugar, admitir que deveria interromper o uso do álcool derivou-se de profundo e insuportável sofrimento, o qual, é fato, já não mais é presente.  Sem dúvida, a abstinência trouxe reflexos positivos importantes e a dor já não é mais tão aguda e lancinante quanto aquela que motivou tal mudança.  Em segundo lugar, parar de beber significa, em princípio, abdicar do grande causador de males físicos, psíquicos e sociais e, tendo descoberto a possibilidade de fazê-lo, a tendência é acomodar-se e relaxar.  Ainda mais quando progredir significa encarar valores e comportamentos profundamente desenvolvidos e que, nem sempre, estão conscientemente ligados ao sofrimento original.

O profissional deve estar preparado para identificar sérios e graves entraves à progressão do tratamento.  O alimento do ciclo de recuperação do alcoolismo é a motivação ininterrupta, a motivação pela motivação.  O contato consigo mesmo, a consciência de suas deficiências, a certeza de que é necessário revê-las para desenvolver sua capacidade de relacionamento interpessoal, devem ser objetivamente expostos como partes de uma única solução para promover durabilidade ao processo de recuperação.

Humildade, termo tão utilizado em Alcoólicos Anônimos, é exato e perfeitamente cabível.  O produto ideal da humilhação diante da inevitável derrota pela perspectiva de liberdade em função de trabalho sério e honesto consigo mesmo.

É importante reforçar que essa humildade não é apenas uma necessidade vital para sobreviver ao rude golpe da perda de controle, mas, fundamentalmente, um estilo de vida, no qual, a cada dia, constrói-se, ou reconstitui-se, algo mais da capacidade individual de relacionar-se a partir da reformulação pessoal.

O prazer não está na vitória, mas na sensação (humilde) de tentar, honestamente, ser melhor.

Dessa maneira, fica claro que o sentido da ajuda ininterrupta é o fundamento do Sétimo Passo.  Humildade é reconhecer que, antes de mais nada, precisa-se da ajuda de outrem para efetivar, com eficácia, a tal reformulação.

Conversar honestamente sobre seus próprios defeitos, compartilhar sentimentos anteriormente considerados humilhantes como:  medo; vergonha; raiva; inveja e ciúme é a chave do verdadeiro despertar espiritual, o prazer límpido de estar tentando crescer.

A partir do momento em que o alcoolista descobre os benefícios abstratos, e tão pouco materialistas, de sentir-se em paz após anos e anos de conflitos e turbulências, tanto internos quanto externos, pode-se considerar rompido o processo de patológica dependência.  Daí em diante, a dor e o sofrimento não mais farão parte do processo de reestruturação pessoal e social, conquanto o prazer, dito espiritual, estará presente até em momentos de objetiva e concreta dificuldade.

É fundamental que o mecanismo terapêutico esteja apto a proporcionar tal descoberta, tal despertar.  É muito importante valorizar a tentativa, incrementar a confiança, dar créditos à verdadeira e honesta motivação.  É preciso criar, no ambiente de tratamento, no grupo ou na relação terapêutica, um clima de conforto e confiabilidade.  A compreensão e o envolvimento são as melhores armas para fazer o paciente acreditar que é possível crescer sem sofrer, sem ter de passar por novas e dolorosas humilhações.

Como está escrito no texto de “Os Doze Passos” de Alcoólicos Anônimos, cada um de nós gostaria de viver em paz consigo mesmo e com seus semelhantes.  O alcoolista, apenas, não sabe como fazê-lo, ou melhor, tentar fazê-lo, até então, tem significado muito sofrimento.  O tratamento deve significar, agora, um espaço para que ele possa encarar a dor das perdas sem precisar sofrer e desfrutar a alegria das conquistas, por menores que possam representar para outrem.


Se, por acaso, ele vier a acreditar que o elemento terapêutico utilizado pode ajudá-lo a reconhecer suas deficiências, aceitá-las como seus atuais limites e modificá-las quando possível e sem sofrimento, só lhe restará agradecer humildemente e prosseguir confiante.



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