O Sétimo Passo diz: “Humildemente
rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições”.
A necessidade imperiosa e
constante de satisfazer seus impulsos torna o alcoolista egocêntrico,
isolando-o de valores espirituais, como se o prazer e o bem-estar imediatos
fossem as únicas maneiras de sentir-se bem.
Ao mesmo tempo, a participação do
álcool nesse processo de dependência do prazer traz consigo todo o amplo leque
de consequências físicas, psíquicas, sociais, comportamentais e morais,
característica do abuso químico e torna o sofrimento parte ativa desse ciclo
mórbido. A dependência gera ansiedade e
sua satisfação gera consequências desastrosas à estrutura global do ser
humano. Com o passar do tempo, o prazer
torna-se cada vez mais distante enquanto a dor mostra-se presente e
avassaladora.
É uma vida inteira, anos e anos
gastos em ansiogênica luta contra um processo de dependência para o qual uma
única solução encontrada tornou-se insuportável. O ciclo patológico de dor como necessidade de
alívio, alívio esse gerador de mais dor, entrava-se no limite individual de
sofrimento que cada ser humano desenvolveu intrinsecamente. Ao atingi-lo, o indivíduo descobre que não é
mais possível manter esse processo e este pode ser o passo inicial para a
descoberta da necessidade de romper o isolamento e buscar, na força das
relações interpessoais, uma nova fonte de alívio e prazer. Vivenciar uma humilhante sensação de
desespero; derrota diante de sua própria
opção de vida; falência de seus
mecanismos de obtenção do prazer; pode
ser a única solução para romper o processo de dependência e, através disso,
vislumbrar, no convívio social, e na reformulação pessoal como elemento
possibilitador deste, o substituto ideal para promover um bem-estar duradouro.
Essa sensação, alimentada pela
dor e pela ausência de perspectivas, impulsiona o alcoolista a entregar-se a um
processo de tratamento que procura basear-se na manutenção de um novo ciclo de
retroalimentação pelo prazer, este fundamentado em crescimento pessoal e
redescoberta de valores ditos espirituais.
Para isso, propõe-se uma criteriosa avaliação do indivíduo como ser
social e uma, não menos criteriosa, reformulação de todas as deturpações
psicossociais características do ciclo patológico.
Ao atingir esse estágio, o
alcoolista depara-se com dificuldades objetivas. Em primeiro lugar, admitir que deveria
interromper o uso do álcool derivou-se de profundo e insuportável sofrimento, o
qual, é fato, já não mais é presente.
Sem dúvida, a abstinência trouxe reflexos positivos importantes e a dor
já não é mais tão aguda e lancinante quanto aquela que motivou tal
mudança. Em segundo lugar, parar de
beber significa, em princípio, abdicar do grande causador de males físicos,
psíquicos e sociais e, tendo descoberto a possibilidade de fazê-lo, a tendência
é acomodar-se e relaxar. Ainda mais
quando progredir significa encarar valores e comportamentos profundamente
desenvolvidos e que, nem sempre, estão conscientemente ligados ao sofrimento
original.
O profissional deve estar
preparado para identificar sérios e graves entraves à progressão do
tratamento. O alimento do ciclo de
recuperação do alcoolismo é a motivação ininterrupta, a motivação pela
motivação. O contato consigo mesmo, a
consciência de suas deficiências, a certeza de que é necessário revê-las para
desenvolver sua capacidade de relacionamento interpessoal, devem ser
objetivamente expostos como partes de uma única solução para promover
durabilidade ao processo de recuperação.
Humildade, termo tão utilizado em
Alcoólicos Anônimos, é exato e perfeitamente cabível. O produto ideal da humilhação diante da
inevitável derrota pela perspectiva de liberdade em função de trabalho sério e
honesto consigo mesmo.
É importante reforçar que essa
humildade não é apenas uma necessidade vital para sobreviver ao rude golpe da
perda de controle, mas, fundamentalmente, um estilo de vida, no qual, a cada
dia, constrói-se, ou reconstitui-se, algo mais da capacidade individual de
relacionar-se a partir da reformulação pessoal.
O prazer não está na vitória, mas
na sensação (humilde) de tentar, honestamente, ser melhor.
Dessa maneira, fica claro que o
sentido da ajuda ininterrupta é o fundamento do Sétimo Passo. Humildade é reconhecer que, antes de mais nada,
precisa-se da ajuda de outrem para efetivar, com eficácia, a tal reformulação.
Conversar honestamente sobre seus
próprios defeitos, compartilhar sentimentos anteriormente considerados
humilhantes como: medo; vergonha; raiva;
inveja e ciúme é a chave do verdadeiro despertar espiritual, o prazer límpido
de estar tentando crescer.
A partir do momento em que o
alcoolista descobre os benefícios abstratos, e tão pouco materialistas, de
sentir-se em paz após anos e anos de conflitos e turbulências, tanto internos
quanto externos, pode-se considerar rompido o processo de patológica
dependência. Daí em diante, a dor e o
sofrimento não mais farão parte do processo de reestruturação pessoal e social,
conquanto o prazer, dito espiritual, estará presente até em momentos de
objetiva e concreta dificuldade.
É fundamental que o mecanismo
terapêutico esteja apto a proporcionar tal descoberta, tal despertar. É muito importante valorizar a tentativa,
incrementar a confiança, dar créditos à verdadeira e honesta motivação. É preciso criar, no ambiente de tratamento,
no grupo ou na relação terapêutica, um clima de conforto e confiabilidade. A compreensão e o envolvimento são as
melhores armas para fazer o paciente acreditar que é possível crescer sem
sofrer, sem ter de passar por novas e dolorosas humilhações.
Como está escrito no texto de “Os
Doze Passos” de Alcoólicos Anônimos, cada um de nós gostaria de viver em paz
consigo mesmo e com seus semelhantes. O
alcoolista, apenas, não sabe como fazê-lo, ou melhor, tentar fazê-lo, até
então, tem significado muito sofrimento.
O tratamento deve significar, agora, um espaço para que ele possa
encarar a dor das perdas sem precisar sofrer e desfrutar a alegria das
conquistas, por menores que possam representar para outrem.
Se, por acaso, ele vier a
acreditar que o elemento terapêutico utilizado pode ajudá-lo a reconhecer suas
deficiências, aceitá-las como seus atuais limites e modificá-las quando
possível e sem sofrimento, só lhe restará agradecer humildemente e prosseguir
confiante.
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