O Oitavo Passo diz: “Fizemos uma relação de todas as pessoas a
quem tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados”.
Esse passo trata de como
descobrir, individualmente, a fórmula da recuperação. Dissemos, e repetimos, que apenas um processo
contínuo de melhoria da qualidade das relações interpessoais e sociais do
indivíduo poderia transformá-las na fonte causadora do combustível (prazer)
necessário para substituir o efeito do álcool.
Para isso, todos os passos anteriores trataram basicamente da principal
de todas essas relações – a relação consigo próprio. Em função disso, é provável que algo
significativo do autoconceito tenha sido resgatado e esteja mantendo o
alcoolista motivado ao progresso. A
partir do Oitavo Passo, tenta-se expandir esse universo de relações para as
interpessoais, sugerindo-se um exame e uma reestruturação destas para que se
possa reabilitá-las.
Afinal de contas, as
características do alcoolismo crônico transformaram o paciente em verdadeiro
ser antissocial e suas relações estão totalmente desestruturadas ou, quando
pouco, deturpadas. Todas essas sequelas
são importantes barreiras ao processo de reformulação, pois de nada adianta uma
consciência pessoal e uma motivação intrínseca se não é possível pô-las em
prática em prol de uma melhor qualidade de vida, no sentido mais amplo do que
vida quer dizer.
É preciso avaliar criteriosa e
minuciosamente as verdadeiras falhas de suas relações para que se possa
construí-las sadiamente, sem resquícios patológicos. É complicado e ansiogênico tentar reformular
objetivamente uma relação quando esta é fonte e produto de ressentimentos, por
exemplo. Rever tais ressentimentos, sua
origem, a parcela de responsabilidade que lhe cabe, é partir para uma
verdadeira reformulação.
Esse é, sem dúvida, assim como o
nono, um passo difícil e doloroso, onde, mais do que nunca, a humildade, no
sentido de aceitação de limites e deficiências e real disposição de
modificá-los, se mostra indispensável.
Uma coisa é admitir, para si, a existência de defeitos e dispor-se a
modificá-los, outra é fazê-lo perante outrem.
Evidentemente, essa admissão ultrapassa os confortáveis limites do grupo
terapêutico, onde conta-se com aliviantes manifestações de carinho e
compreensão. Neste momento, o alcoolista
parte para um real contato com o mundo deturpado que a evolução de sua doença
produziu e sabe, ou deve saber, que nem sempre poderá contar com o mesmo
carinho e compreensão. Mas é exatamente
aí onde o medo, o isolamento, o orgulho, tornam-se tão presentes, que deve
estar mais presente ainda a premência da reformulação, em seu mais amplo
sentido.
É indispensável construir
relações sadias para que se possa obter prazer destas, mesmo que, durante muito
tempo, o alcoolista tenha que conviver com os reflexos de sua doença, não em
seu comportamento, mas no dos outros e mesmo que a única parte sadia dessas
relações seja, neste momento, o próprio paciente. É preciso não esquecer que a tentativa
honesta de reformular já é a própria reformulação.
Além disso, em muitas ocasiões, a
porção mais doentia da relação é o sentimento despertado pelo possível prejuízo
causado. Portanto, por mais que possa
parecer desnecessário concretamente mexer com ela, o desconforto gerado por
tais sentimentos deve ser revisto.
Em suma, o Oitavo Passo propõe um
criterioso exame das relações do indivíduo, implícito na consciência de que o
alcoolismo deturpou-as de tal maneira que o isolou, sendo, por conseguinte,
imperioso tentar reconstruí-las.
É importante, também, que isso
seja feito de uma maneira concreta e prática.
Alcoólicos Anônimos sugere que seja feita uma lista de pessoas às quais
o alcoolista tenha prejudicado, concreta ou abstratamente.
O profissional pode ajudá-lo, ao
conhecer sua história de vida, alertando-o ou confrontando-o em situações
conflitivas. Uma ordem de prioridade
pode ser aconselhável, preferindo-se sempre as relações geradoras de maior
desconforto no momento.
Além disso, como já foi dito, o
ambiente do grupo terapêutico tem seu papel intensificado por momentos como
estes, quando a própria reformulação é confrontativa e ansiogênica.
Em resumo, esse Quarto Passo das
relações, como é dito em Alcoólicos Anônimos, significa o começo do fim do
isolamento e, mais ainda, da marginalização social do alcoolista e é sumamente
importante que isso esteja claro.
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