O Nono Passo diz: “Fizemos
reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível,
salvo quando fazê-lo significasse prejudicá-las ou a outrem”.
Esse passo é, evidentemente, a
prática do oitavo. Consciente de que é
necessário reconstruir seu universo de relações, de uma forma saudável e
prazerosa, o alcoolista precisa agir.
É muito importante que o
profissional esteja atento ao momento vivido pelo paciente. É provável que a abstinência seja, por si só,
motivo de euforia e êxtase para este, motivando-o a atos pouco racionais,
tendendo impulsivamente a clamar ao mundo arrependimento e disposição em mudar
de vida. Isso tudo é perfeitamente
compreensível ao analisarmos a sensação de liberdade causada pela ruptura do
vínculo concreto com a dependência. Mas
é preciso saber, também, que atitudes impensadas podem gerar conflitos
perigosos a abstinência frágeis e recentes.
É fundamental uma certa estruturação dessa abstinência em bases sólidas
de consciência, motivação e autoconhecimento, para que se possa prever os
resultados de tais atitudes e preparar-se adequadamente para eles.
As relações de um alcoolista
crônico são, geralmente, carregadas por sentimentos adversos de ambas as
partes, concretamente elaborados em função de fatos reais, intensificados,
quase sempre, por preconceitos morais e sociais, o que as torna, literalmente,
bombas a explodir. É preciso muito
cuidado ao abordá-las para que revelações intempestivas não funcionem como
estopins para verdadeiras crises agravantes do quadro. Cada reparação deve ser precedida de
minucioso exame da estrutura pessoal do paciente, de seu preparo prévio, de sua
motivação para tal atitude, das contingências envolvidas na desestruturação de
tal relação, do momento presente desta e das possíveis consequências de uma
revelação contundente para ambas as partes.
É claro que nem todas as relações
estarão deterioradas a tal ponto. Mas é
claro, também, que nem sempre a superfície destas retrata fielmente o íntimo de
um contato patogênico. Evidentemente,
não há pressa e o próprio processo de abstinência servirá como fonte inicial de
alívio das tensões de tais relacionamentos.
Pode-se orientar o alcoolista para que comece a se colocar, revelando
seus propósitos de recuperação e reformulação, o que, sem dúvida, preparará o
caminho para revelações mais profundas.
É até possível que apenas isso seja suficiente para que uma nova relação
comece a ser moldada entre os envolvidos, mas não se deve esquecer que o
objetivo não é apenas modificar o exterior de tal relacionamento e sim as
emoções que estão nele implícitas.
Além do mais, a cada vez que o
alcoolista se revela diante de outrem, expõe seus defeitos de forma humilde e
honesta e reitera sua disposição em reformular-se, está criado um forte vínculo
com seu estado de abstinência. A partir
de então, a recidiva significa, além de todos os prejuízos inerentes à própria
doença, a humilhante sensação de fracasso de seus propósitos diante das
pessoas, alvos de tais reparações.
É importante, portanto,
incentivar sempre. É claro que precaução
não significa procrastinação. O preparo
prévio é fundamental porque previne catástrofes, mas catástrofe idêntica é a
paralisação do processo de reformulação.
Isso porque a própria atitude de expor-se, revelando falhas e
deficiências, e mostrar-se dispostos a melhorar, é fonte de gratificante
sensação de conforto e bem-estar, mesmo que os resultados, a nível da relação,
não sejam satisfatórios. O movimento do
prazer psíquico como fonte de motivação para novos progressos está mantido e é
isso o que importa.
Esses resultados concretos, em
termos da relação propriamente dita, podem ser previamente avaliados em função
do teor da revelação a ser feita.
Existem casos em que o próprio conteúdo dessa revelação é tão
contundente e tão prejudicial à relação que é preferível omiti-lo. Nessas situações, o próprio comportamento e
atitude do alcoolista, no decorrer de seu processo de recuperação, serão
suficientes para minimizar os danos causados sem que seja necessário
pormenorizá-los. Talvez a necessidade de
uma reparação plena, em termos pessoais, possa ser satisfeita a nível de grupo
terapêutico, onde o sigilo e a confidencialidade protegem as partes envolvidas,
além de possibilitar a criação do vínculo terapêutico citado anteriormente.
A principal conclusão disso tudo
é que o Nono Passo deve ser realizado da maneira mais completa possível e,
portanto, ininterrupta. A cada
conquista, em termos de relações interpessoais mais saudáveis e bem-estar consigo
próprio, novo projeto semelhante deve ser engatilhado. É neste momento que se reforça a tese de que
o homem é uma inesgotável fonte de emoções, descobertas e, portanto, prazer,
precisando, apenas, para efetivá-lo, ter consciência disso e tomar contato com
uma maneira prática de fazê-lo.
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